Como o gerente de uma clínica pode identificar o potencial de seus funcionários ?

Por Fátima Jinnyat


Publicado na Revista BODAU da Sociedade Brasileira de Urologia edição 2 (junho 2015)

Uma das grandes preocupações do gestor moderno é conseguir tirar partido dos talentos dos profissionais que integram suas equipes.

Fazer com que seus subordinados se conduzam para frente, automotivados e preocupados com o que já fazem bem e o que podem fazer melhor é desejo de todo gestor com desafios titânicos a cumprir e sabe que precisa das pessoas para alcança-los.

Na edição especial da Revista EXAME de 2014, onde foi apresentada a pesquisa das MELHORES EMPRESAS PARA SE TRABALHAR algumas organizações declararam objetivamente as competências que consideram mais interessantes e mais adequadas ao perfil da empresa. A NIVEA, cuja cultura envolve um propósito muito maior do que simplesmente o lucro, no caso a responsabilidade com a sociedade, afirma que para trabalhar nela, “o profissional precisa se identificar com o propósito da empresa e entender que seu trabalho tem impacto direto na sociedade; pessoas que se motivam ao saber que deixarão um legado para as gerações futuras se encaixam nela. Quem é mais pragmático vai se frustrar.” i

Na AMBEV cuja cultura organizacional é bem diversa, caracterizada por metas agressivas e foco em resultados, a empresa espera que seus funcionários sejam, competitivos, ousados e com apetite para o risco, afirmando que “os muito sensíveis costumam não se adaptar”.

Independente do tamanho e da natureza da empresa, entender em profundidade sua cultura é requisito para colocar as pessoas certas nos lugares certos, mesclando seus talentos individuais e atitudes, aos objetivos da empresa. Neste aspecto o papel do gestor é fundamental, bem como seu perfil dotado de talentos multidisciplinares como formação técnico administrativa, bem como habilidades emocionais.

O gestor moderno, independente da área de atuação, é também um gestor de pessoas com talento para lidar com elas, vontade e capacidade para desenvolvê-las, considerando que as competências necessárias para o bom trabalho, são hoje dinâmicas, criativas, inovadoras. Vale lembrar que empresas exitosas, são conscientes de seu papel como formadora de profissionais, promovendo seus talentos espontâneos e identificando os potenciais.

“Quando uma divergência torna-se evidente e alguém está fracassando em uma função, é importante não tirar conclusões precipitadas. Logo que você perceber um problema, tem de investigar a causa básica. Pode ser que a pessoa tenha bloqueio psicológico, falta de algum know-how ou a química errada com uma pessoa- chave em outra função. Às vezes a culpa é de um chefe que não oferece orientação."
Ram Charamii

O potencial profissional é formado por “capacidades ou habilidades não utilizadas, mas que se podem manifestar quando há estímulo ou treinamento adequado.”iii Muitos gestores acreditam ainda que entender do negócio os habilita a lidar bem com as pessoas, identificando as competências necessárias para a execução do trabalho. Entretanto sua rotina diária evidencia falhas no desempenho das equipes de trabalho, e assim, ele se dá conta de que as pessoas não funcionam como as coisas; elas têm expectativas, frustrações e acima de tudo, vontade própria. Diante da própria impotência em conduzir seus subordinados – dá muito trabalho entender as pessoas - alguns gestores muitas vezes “levam a empresa ou o departamento nas costas”, assumindo para si tanto o trabalho operacional como o estratégico, sem apoio de seus colaboradores, que se comportam como meros executores, movendo-se por comando. Entender o potencial, conhecer cada um dentro de sua individualidade será então impossível? Que tipo de sensibilidade torna o gestor um identificador do potencial alheio?

“Você deve usar sua percepção sobre as pessoas para ajuda-las a encontrar seu “assento” – o caminho no qual seus talentos se expandem e o crescimento pessoal se acelera. Use sua imaginação para ajuda-las a encontrar atribuições excelentes, em outro lugar, que se harmonizem com elas.” Ram Charam

Antes de tentar olhar para os outros procurando identificar suas potencialidades é preciso se autoquestionar e reconhecer em si mesmo o talento para desenvolver pessoas. Ram Charam, em seu livro Know-How afirma que um bom líder deve saber conduzir o sistema social de sua empresa, fazendo com que os profissionais certos, em combinação com condutas adequadas, tomem decisões melhores e mais rápidas, alcançando assim, bons resultados para a empresa. Ele diz ainda que o gestor em cargo de liderança deve saber avaliar pessoas, descobrindo seus melhores talentos com base em fatos e observações, sabendo encaixá-las na função adequada.

A inteligência emocional, que integra as habilidades pessoais às interpessoais no que tange à construção de relacionamentos positivos e produtivos, no caso das empresas, ganham cada vez mais relevância na formação de executivos. São as capacidades cognitivas que contribuem para formar, desenvolver e influenciar pessoas, motivando-as para o aprendizado.

Vale ressaltar aqui, que o profissional contemporâneo não pode ser tratado como o funcionário do século XX, considerando que vivemos uma mudança avassaladora em todos os âmbitos de nossa vida, que vem transformando tanto o perfil como o modelo de trabalho. O profissional de hoje está sujeito a um cenário de incerteza e instabilidade crescentes, possui uma oferta imensa de informação, tem dificuldade para equilibrar e dividir seu tempo entre a vida pessoal e profissional, busca qualidade de vida, sendo chamado por Peter Drucker, o famoso guru das organizações, de trabalhador do conhecimento.

Este trabalhador, mais talentos entrega quanto mais entende da relevância de seu papel na execução das estratégias do trabalho. Assim, antes de tratar da descoberta do potencial de cada profissional, é preciso diagnosticar as necessidades do contexto de trabalho partindo de onde estamos e fixando onde queremos chegar, envolvendo a todos nesta empreitada.

“Temos a sensação que a dependência face ao poder de outros se reduziu numa larga parte do mundo ao longo das últimas duas gerações: a maioria de nós sente-se hoje menos dependente do que assumimos ter acontecido com nossos pais e avós. Para além disso a independência é um tema politicamente na moda. Abundam os movimentos de liberação e emancipação.” Geert Hofstedeiv

Se você como gestor quer ter profissionais talentosos, motivados e atuantes, comece por construir uma cultura que apresente de modo claro, a quem já está na empresa e também aos candidatos quais são as competências mais valorizadas; como fazem as empresas exitosas citadas no início deste artigo. Para isso questione com seu grupo onde querem chegar e de onde estão partindo. Estimule-os a se verem como protagonistas com autonomia para pensar e decidir, diferentemente de funcionários obedientes. Sentindo-se parte do negócio mais engajados se tornam e na medida em que se emancipam, mais contribuem com seus talentos.

Um diagnóstico correto da situação com seus riscos e oportunidades, contribui para o entendimento de como precisamos ser e de como precisamos agir para chegar ao resultado que queremos. Se isto ficar claro para todos, os não-comprometidos certamente irão se revelar, pela dissonância de atitude.

“Líderes que são grandes formadores de outros líderes percebem o que está surgindo em fluxo de liderança. Eles fazem questão de conversar com líderes de níveis mais baixos, em pequenos grupos, passando talvez duas horas com, digamos, dez pessoas, e nesse espaço de tempo eles a envolvem com perguntas para verificar como pensam e que capacidade no todo elas possuem.” Ram Charam

Nas empresas com grande distância hierárquica, o potencial individual é nebuloso, uma vez que superiores e subordinados não se vêm como iguais. Essas organizações maximizam a centralização do poder num grupo restrito de pessoas. Espera-se que os subordinados cumpram as ordens ditadas.

Se elegermos como contexto uma clínica, a relação entre gestor/líder e sua equipe fica mais próxima, na medida em que as distâncias hierárquicas são menores e o acesso a quem tem poder em tese, deveria ser mais simples. É fundamental que a comunicação da estratégia atinja e envolva todos os níveis. Assim, entender o mapa da empresa levando em conta onde estamos e onde queremos chegar de modo objetivo, requer a capacidade de neutralizar as expectativas idealistas ou fantasiosas, bem como a aversão ao risco pelo medo.

Trata-se de pensar e agir de maneira sistêmica, mudando a forma geométrica da pirâmide para algo mais orgânico como a rede.

Em tese, deveria ser esta a primeira discussão proposta às nossas equipes; entender até que ponto percebem o contexto. E quando se fala em contexto é legítimo identificar tanto os aspectos humanos, intangíveis, bem como os administrativos e comerciais, tangíveis. Sua empresa é voltada para os clientes e suas necessidades? Ou faz pesquisa e análise onde o controle de qualidade e a precisão são fundamentais. Ela precisa de inovação, considerando as mudanças e tendências que identificamos na área da saúde? O que é fundamental para a sobrevivência de sua empresa? Você quer imprimir alguma mudança em sua empresa? A cultura está adequada à estratégia? Você é um agente de mudança? Como lida com pessoas? Sabe gerenciar conflitos?

Essas e outras questões devem fazer parte do dia-a-dia do gestor contemporâneo, e sem dúvida o ajudarão a identificar o potencial de seus profissionais que vão além do comprometimento e motivação para o trabalho, imprescindíveis, mas que em si, não são talentos, mas comportamentos percebidos na execução.

Uma cultura consistente permite que identifiquemos os mais comprometidos pela sintonia com os valores da empresa e assim vão demonstrando suas aptidões como criatividade, tomada de decisão, criação e gestão dos processos, análise de dados, relacionamento com os clientes e fornecedores, gestão de custos, etc. Uma cultura consolidada permite também que identifiquemos os agentes de mudança, com os quais podemos contar para que novos rumos sejam criados e implementados; separando-os dos adaptadores que preferem investir seu tempo na consolidação dos processos que sustentarão a mudança.

Ram Charam apresenta uma receita para enxergar os futuros líderes de sua empresa:

  • Eles produzem resultados ambiciosos regularmente.
  • Demonstram continuamente crescimento, adaptabilidade e aprendizado melhor e mais rápido do que seus colegas de excelente desempenho.
  • Aproveitam as oportunidades de atribuições mais importantes e desafiadoras, expandindo, com isso, habilidades e capacidade, e melhorando suas avaliações.
  • Têm capacidade de refletir sobre os negócios e dar saltos de imaginação para desenvolver a empresa.
  • São determinados a levar todas as questões a um patamar mais alto.
  • Dispõem de poder de observação muito aguçado, fazendo avaliações sobre pessoas com base em suas decisões, comportamentos e atos, em vez de confiar apenas em reações iniciais e instintos maternos; podem identificar e conceber mentalmente o “DNA” de uma pessoa.
  • Vão diretamente ao assunto, são pensadores com ideias claras e tem coragem de expor um ponto de vista diferente, mesmo que os ouvintes possam reagir de maneira desfavorável.
  • Fazem perguntas incisivas que abrem a mente e estimulam a imaginação.
  • Julgam seus subordinados diretos com grande discernimento, têm coragem de lhes fornecer feedback honesto para que se desenvolvam; e examinam causas e efeito se um subordinado direto estiver malsucedido.
  • Conhecem os critérios inegociáveis das funções dos subordinados diretos e combinam a função com o profissional; se houver alguma incompatibilidade, lidam com ela de imediato.
  • São capazes de enxergar talentos e perceber os “dons naturais” de outros profissionais.

O gerente contemporâneo precisa criar um novo sentido ao conceito tão batido e ainda não internalizado, de que as pessoas constroem os resultados na medida em que se engajam com a estratégia e a cultura da empresa da qual se sentem parte. Legitimando esta crença será possível estreitar as relações entre as equipes criando espaço para que o potencial de cada um emerja de modo espontâneo.

É no esforço conjunto, nos valores compartilhados e no trabalho dotado de sentido que conseguimos a energia para conquistarmos nossas metas, sejam elas profissionais ou pessoais.

Pense nisso!

i REVISTA EXAME edição especial 2014/AS MELHORES EMPRESAS PARA SE TRABALHAR – artigo Qual é sua empresa ideal?

ii Livro Know-how, Ram Charam, ed. Campus, 2007

iii Dicionário AURÉLIO, oitava edição 2010

iv Livro Cultura e Organizações, Geert Hofstede, edições Silabo, 1991

Anexos

 

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